terça-feira, 29 de junho de 2010

Louvor à Lua Cheia

A escuridão já dominou o dia. A lua cheia ilumina a paisagem com sua claridade prateada. Os seres viventes escondem-se em suas tocas, apenas os mais corajosos ou os mais temerosos se aventuram nos recantos da escuridão. Os predadores deixam suas tocas e avançam procurando pela caça, certos de que triunfarão. Pelo alimento e pelo prazer de matar. Ter em suas mãos a opção de escolha, decidindo quem vai viver ou morrer, o que melhor desejar.
São nessas noites que sou atormentado por intensa dor de cabeça. Preferiria esmagá-la com uma marreta do que sentir tamanha dor. Ver meu cérebro diluindo-se e espalhando-se pelo ar após um golpe certeiro. Poderia ser melhor do que esta dor que emana de minhas profundezas encefálicas. Se assim o fizesse, a dor acabaria. Infelizmente a dor é um justo preço a se pagar pelo prazer. O prazer das caçadas. De ser um predador.
Pois após as dores intensas de minha cabeça é que ele surge. Domina minha mente. Ele, aquele que se oculta dentro de todo ser humano. O animal selvagem que tentamos ocultar. Nossos instintos assassinos que nos mantém ligados ao mundo natural. Durante os dias normais permanece oculto sob o manto da consciência. Então, surge a lua, bela e reluzente. Divino encanto que toma conta de meu corpo. Doce amada tão distante nos céus. Para você dedico todos os meus sacrifícios, para você destino todo o sangue derramado e a carne devorada. Todo corpo violado, todo coração despedaçado.
Recordo-me da noite anterior, cada momento gravado em minha mente. Cada segundo parecia uma eternidade. Saí de casa, iluminado pela minha doce amada observando-me do alto, imaculada no céu. Respiração ofegante, um misto de odores atrativos, escolha seu prato e sirva-se. Perambulei pelas ruas andando pelos recantos obscuros. Corpo curvado e oculto, um predador espreitando suas presas. Observando, analisando, escolhendo qual seria o prato principal. Só de lembrar do sabor da carne em contato com minha língua já começo a salivar. Meu corpo todo estremece, um rugido surgiu das profundezas de meu corpo. Alto e feroz, ecoou pelas ruas da cidade semi-adormecida. Meu corpo não parece mais o mesmo. As roupas parecem me aprisionar, livro-me delas. Sinto a liberdade. Livre das vestes sociais que aprisionam a todo cidadão. Livre como vim ao mundo. Sem roupas e sem crenças. Um animal como qualquer pessoa, apenas vivendo.
Distante no meu campo de visão ela surge. Vindo em minha direção. Andando apressada na escuridão da madrugada. Vislumbro a lua, minha amada. Esta seria seu sacrifício. A batida dos sapatos dela na calçada ecoam pela rua vazia. Barulho constante e regular. Cada vez mais próximo. Permaneço oculto nas sombras, tal qual governante que manipula seu povo. Mais próxima ela está, sinto seu cheiro. O medo exala dos poros de sua pele. Aroma incomparável, o perfume mais atrativo que alguém poderia querer. O medo dos covardes e dos corajosos, sentimento que nos mantém vivos. Mas para ela o medo não seria o bastante. Não a ajudaria em nada.
Em minha frente ela está, pulo sobre ela, como um lobo pula sobre um coelho. Derrubo-a no chão. Ela tenta se livrar de mim. Seguro sua cabeça com minha mão, e faço seu crânio encontrar o rígido chão. Apenas o suficiente para a inconsciência dominar seu corpo. Carne viva é disso que preciso. Carne fresca e sangue quente. Vísceras pulsantes. Arrasto-a para o recanto obscuro de um terreno vazio. O local perfeito para fartar-me e saciar minha fome, completando o vazio que se apossou de meu pútrido encéfalo. O corpo inconsciente em minha frente, com respiração ofegante, tudo será como antes. Deixo-a desnuda, livre das vestes, cheiro a carne fresca. Olho para sua face, um filete de sangue escorre de uma das narinas. Lambo e degusto o sabor deste delicioso líquido vermelho. Fluido agradável que me embriaga e me entorpece. Dedico a você, lua, minha amada. Tão pálida e distante no céu. Abaixo-me sobre o corpo inerte. O rugido verte de minhas entranhas e é emanado por minha garganta.
A vítima acorda. Olha para mim assustada. Como se tivesse visto um fantasma. Ou talvez um monstro. Não sou nenhum, nem outro. Sou animal, sou homem. Lobisomem. Abocanho sua face, perfuro sua pele sedosa com meus dentes afiados. Que arrancam pele, carne e cartilagem. Desfazendo a maquilagem. Entre uivos, devoro-a pedaço a pedaço. Banho-me no líquido rubro. Perante o olhar atencioso de minha amada. Carne vermelha e sedosa. Suntuosa refeição. Arranco os membros, primeiro braços, depois pernas. Ação que me trás recordações internas. Arrebento seu abdômen, retiro os intestinos que se esfacelam e liberam seu conteúdo. Impregnando o ambiente com agradável odor, melhor do que tudo. Minha amada saciada está, e assim permanecerá. Até que outra vez apareça no céu, indicando que eu devo caçar, para que assim eu possa mais uma vez amar.

Marius Arthorius

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