sábado, 14 de dezembro de 2013

Alegorias da Morte V

Poema integrante do livro Alegorias da Existência, de Marius Arthorius.



Pulsos rasgados
Coração perfurado
Movimentos proibidos
Ó deus por que não me salvou?
Mestre dos mestres
Tão morto
Como todos os mestres
Palavras distorcidas
Esquecidas
Levadas com o vento
Destruídas com o tempo
Um deslize, uma morte
Uma moeda para o transporte
Rumo à inexistência
Um sorriso ao coveiro
Um abraço para a escuridão

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Alegorias da Morte I

Poema integrante do livro "Alegorias da Existência", de Marius Arthorius.
https://clubedeautores.com.br/book/132889--ALEGORIAS_DA_EXISTENCIA#.UpcYV-J0nkJ 



De dentro das catacumbas leviatânicas
Um sopro de inverno dos mortos que ascendem
Dançam alegres bebês
Enforcados em seus cordões umbilicais
Ao som de estupros necrofílicos
Sou um cadáver que te banha em podridão
Eis me aqui jogado ao chão

O senhor dos Céus caiu por terra e morto agora ele jaz
Reino de mentiras que chega ao fim
A estrela da manhã renasce... brilhe! Viva!
Por detrás dos montes da vida chegam as luzes da verdade
Queimando as vidas dos cordeiros cegos
Contorcionistas das dores
Retorcem-se sobre suas covas coletivas
Ubi dubium ibi libertas... assim proclamaremos!

Preparamos a exumação
Daquilo que não deveria retornar
Mas em todos os corações há de sempre estar
Meu coração já não pulsa... é gelo, é escuridão
É teu fim certo, lento e sofrido
Névoas da escuridão rodeiam minha inexistência
Enquanto cinzas quentes queimam tua vida fraca
Você brinca com teu coração pulando sobre uma faca
E quando se der conta não saberá qual o teu berço
Será abortado de teu quente lar
Na cova coletiva de todos os não-vivos
Ali eternamente teus restos permanecerão
Em meio ao vazio e ao nada... apenas silêncio e escuridão

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Conto: Nunca irrite um escritor

Conto: Nunca irrite um escritor

Este conto faz parte livro Deicídio, de Marius Arthorius, e possui registro de direitos autorais junto à Fundação Biblioteca Nacional seu uso total ou parcial para qualquer finalidade comecial ou não, sem autorização do autor implicará em medidas cabíveis previstas em Lei.




- Aqueles malditos, como poderiam eles compreender a grandiosidade de meu trabalho? Eu precisava de paz e sossego, aquela algazarra toda só atrapalhava minha concentração. Agora eu tenho esse lindo silêncio que me envolve e me acolhe. Posso realizar minha grande obra sem perder o rumo certo. O quê eu posso dizer? Algumas vezes precisamos tomar uma atitude um pouco mais agressiva, avançar algumas regras antes que um mal maior aconteça. Se para existir paz é necessário usar a força, se é isso que ocorre ao redor de todo o mundo, aqui também não foi tão diferente. Aqueles seres malditos, inferiores por sua natureza precisavam aprender uma lição. Eu como um bom escritor, estando inúmeros patamares acima deles em conhecimento precisei tomar as rédeas e parar aquele estouro de boiada.
. . .

Um dia antes...
- Pequenas crianças, pequenas crianças, cordeirinhos e cordeirinhos, aí vai o lobo mal. Vocês podem correr e correr, mas nunca conseguirão se esconder. – O cabelo desarrumado atrapalhava sua visão, o suor escorria pelo rosto e pelo pescoço, com a marreta suja de sangue e presa firmemente em suas mãos ele procurava seu alvo. Havia dias que ele queria apenas sentar-se ou deitar-se em algum recanto de sua casa para terminar mais um livro que ele estava escrevendo, apenas mais um livro a ser registrado e publicado, mas sem leitores, ninguém além do próprio autor leria aquelas páginas. Há anos ele já cultivava o pensamento de que escrevia para si mesmo, sem se importar em ter um público alvo e sem querer qualquer tipo de lucro com suas obras. Ele apenas escrevia, era isso, mais nada.
Nos últimos dias ele tinha cansado da baderna infernal criada pelos vizinhos que se afogavam em bebidas, música de má qualidade e promiscuidade. Cansou de todos os xingamentos de baixo calão, do sexo explícito nos quintais e varandas das casas, cansou das músicas, do cheiro de vômito alcoólico. Cansou de tudo.
Ele não queria mais ser pisoteado por pessoas que não possuem uma cultura própria e que vivem de seguir as ondas da moda com carros enfeitados com inúmeras caixas de som produzindo sons desconexos, homens e mulheres deformados por anabolizantes e cirurgias plásticas. Ele mostraria que estas pessoas estavam enganadas, que elas não eram superiores. A raiva mostraria sua supremacia diante do modismo. A atual festa tinha ocorrido em sua casa, rodeada por altos muros e portões trancados a sete chaves, os sobreviventes tinham tentado inutilmente se esconder em algum recanto da casa.
Passando pela sala e ainda ofegando com a adrenalina de alguns assassinatos cometidos ele se aproximou do aparelho de som para mudar a música. Tirou aquelas malditas batidas remixadas e letras de música sem sentimento. Colocou para tocar um CD com um heavy metal de vozes guturais e acordes desconexos que o faziam delirar por todos os recantos de sua imaginação. Fechou os olhos e inspirou profundamente erguendo levemente a cabeça e os ombros, após, sorriu.
Foi quando atrás de si apareceu uma mulher jovem apenas de biquíni, tremendo com o frio noturno, chorando com secreções escorrendo de seu nariz.
- Por favor, por favor, não me mate! Perdoe-me por ter jogado seus livros na churrasqueira, foi errado, mas era apenas uma brincadeira basta comprar outros. Você não pode passar a vida inteira apenas lendo e escrevendo, você tem que curtir a vida! Por favor, não me mate, eu faço qualquer coisa! – disse a mulher se ajoelhando no chão com as mãos entrelaçadas em preces inúteis.
- Curtir a vida? Foi isso que você disse? Quem é você para me dizer como eu tenho que viver? Sua pequena formiguinha, pequena formiguinha, é isso que você é. Nada mais, apenas serve os objetivos da colônia, vive aos moldes da colônia. Sabe, eu gosto de formigas, admiro muito a organização delas e o fato de não precisarem pensar muito. Apenas seguirem seus comportamentos pré-determinados e sempre ditados por alguma autoridade. Só que há um problema, quando uma formiga me morde, eu a elimino. É um instinto defensivo, fazer o quê. E você me mordeu dolorosamente formiguinha. Você desprezou meus livros, minhas leituras e meus escritos! Todos vocês têm desprezado meus escritos, vocês são pedras no caminho, impedem que eu viva minha própria vida. Pensam que são superiores demais, mas veja só você aqui. Ajoelhando-se diante de mim e ainda assim querendo me ensinar a viver. Você nunca saberá nada sobre a vida, você é apenas uma formiguinha promíscua. Você faz qualquer coisa é? Então se deite de bruços e fique com o seu rosto voltado para o chão.
- Sim, sim, qualquer coisa para não morrer! -  respondeu eufórica a mulher enquanto deitava-se obedecendo as ordens.
Ele se aproximou dela, inclinou levemente sua cabeça para a direita observando-a, segurava a marreta ensanguentada com a mão direita, deixando um rastro de gotas vermelhas no piso branco da casa. Ele segurou a ferramenta com as duas mãos, ergueu-a no ar e a fez descer violentamente contra o crânio da mulher. Lacerando os ossos, fazendo um som de madeira sendo quebrada entrar em contraste com o heavy metal e sangue escorreu sobre o chão.
Ele se abaixou usando a marreta como apoio, olhou dentro do crânio perfurado e sorriu.
- Esmaguei sua pequena cabecinha, senhora formiguinha. – falou ele fazendo uma voz e uma careta infantil, imitando uma criança que se diverte com um presente recém recebido - E veja, sua cabeça é oca! Como eu imaginei. Sabe formiguinha, hoje meu objetivo de vida era apenas esse. Esmagar suas pequenas cabecinhas vazias e inúteis. Pelo menos como adubo vocês servirão para alguma coisa não é? – disse ele gargalhando e caindo sentado, não conseguindo conter seu ataque de risos. – Vocês desrespeitaram meus pequenos e amados livros, os mataram com o fogo infernal de sua maldita festa, fazendo isso vocês destruíram uma parte de mim. Acabaram com a maior parte do meu “eu”, com a minha existência. Assim sendo, só me restou a vingança, pois todos cometeriam vingança em prol de quem eles amam! – Levantou-se e acertou mais doze marretadas no corpo da mulher. Costelas, braços e pernas foram quebrados. – Uma morte deformada para você! Que tanto deformou a minha vida!
. . .

Três horas antes...
Fogo flamejava fortemente na churrasqueira de tijolos, as gargalhadas alcoólicas ecoavam pelo ar noturno. Uma névoa pairava sobre o ar gélido que fazia todos os seres urbanos se esconderem em algum recanto aquecido.
- Ei! Seu escritor! Legal você finalmente fazer uma festa para nós. Pena que você fica só com essa conversa ridícula sobre como viver e como realmente tornar a vida útil. – Falou um ser arrogante embriagado e tomando cerveja com canudinhos. – Mas isso aqui pode ficar melhor sabe. Temos todas as mulheres e as cervejas, mas o fogo ainda está baixo.
- Precisamos queimar alguma coisa! – respondeu outro gargalhando.
- Já sei! – Respondeu o primeiro. – Vamos, me ajudem, segurem o doutor escritor!
- O quê? – Indagou o escritor, enquanto outros quatro o seguravam ele deitado no chão. Ele tentava se livrar deles, e eles só o pressionavam ainda mais contra a grama molhada por cerveja.
O primeiro entrou na residência, seguido por algumas mulheres, não tardou e retornaram com dezenas de livros em suas mãos. O escritor arregalou os olhos, assustado por ver sua progênie de papel sendo tratada com tanta falta de educação, seus olhos se encheram de lágrimas, seu rosto ficou vermelho de raiva com veias dilatas enquanto ele gritava desesperadamente tentando salvar seus amigos de todas as horas.
- Qual é problema escritor, é apenas um monte de papel velho e empoeirado, você pode viver sem isso. – Disse sorrindo sarcasticamente uma mulher que já ia arrancando as páginas dos livros e jogando-as no fogo.
- Cale-se! Você não sabe o que diz, você não sabe o que faz! Soltem-me! Parem com isso! – Berrou o escritor. O fogo iluminava a escuridão tornando-se cada vez mais intenso, conforme mais e mais livros eram adicionados àquela fornalha demoníaca. Quando o genocídio literário estava encerrado, acertaram um soco na boca do estômago do escritor, despejaram cerveja sobre ele e o deixaram caído no chão. Sendo xingado por todos ali presentes que o desprezavam por não agir como as grandes massas.
O escritor levantou-se tremendo de raiva, perdera todos os bens materiais mais valiosos que ele possuía. Foi até os portões da sua casa, trancou todos eles e escondeu as chaves, depois se dirigiu até o seu porão, não sabia ao certo o que faria, nem o que procurava. Talvez ele quisesse transformar em realidade algum de seus contos de terror, aquele som remixado e os berros daquelas mulheres o deixavam ainda mais irritado. Aqueles malditos que o surraram e o torturaram com a destruição de seus bens precisariam pagar. Ele já tinha muito desgosto acumulado em sua vida, livros não vendidos, ausência de leitores, algumas de suas obras haviam tido a participação negada em antologias e editoras. Tudo parecia estar vindo à tona naquele instante. Todos sentiriam a dor que ele vinha sentindo há muitos anos. Então ele viu num canto de seu porão aquela marreta. Foi até ela e segurou-a firmemente, como se aquela ferramenta passasse alguma forma de energia e força para ele, funcionando como um talismã.
Saiu do porão para o interior da sua casa, uma mulher estava indo nua para o banheiro enquanto vomitava pelo chão da casa todas as bebidas alcoólicas que ela havia tomado. Ela estava drogada com álcool, afinal seja lícita ou ilícita, drogas são todas iguais, apenas uma forma das pessoas temerosas escaparem um pouco da realidade. Ele caminhou até ela.
- Você está bem? – Perguntou ele.
Ela virou-se sorrindo para ele, toda a parte frontal do corpo dela e os cabelos estavam sujos com vômito amarelado. O escritor se enojou daquelas pessoas ainda mais tendo essa visão diante de si. Num chute jogou-a para dentro do banheiro, entrou e trancou-se lá com ela. A mulher tentava se levantar do chão, segurando o corte que se formou na testa quando com o chute ela bateu com a cabeça na pia. Sangue escorria na lateral esquerda do rosto dela.
A luz fluorescente iluminava os pisos pretos e brancos do banheiro. O escritor ficou de pé sobre o vaso sanitário, a mulher estava sentada no chão diante dele.
- Cara – disse a mulher – saia do vaso sanitário, eu preciso vomitar.
- É claro! – respondeu o escritor, segurando a marreta com a mão direita e apoiando-a atrás do pescoço, curvando-se levemente para a frente com um sorriso no rosto e coçando o próprio queixo com a mão livre – Responda-me algo antes, você já jogou golfe? Eu nunca joguei. Mas no momento eu tive uma vontade incrível de conhecer esse jogo. Incrível ver aquela linda bolinha branca voando pelos ares após ser golpeada pelo taco rígido de metal!
- Nunca joguei, cara, agora me deixa vomitar em paz.
- É claro, senhorita tudo-que-eu-quero-é-vomitar! Apenas me deixe terminar a minha partida de golfe e você poderá fazer o que você quiser. – Ele retirou a marreta do pescoço, segurou-a como se segura um taco de golfe, posicionando ao lado da cabeça da mulher, calculando a jogada como um jogador profissional. Ela alternava olhares entre a marreta e o vaso sanitário. Quando a última coisa que ela viu foi a marreta indo violentamente contra a lateral de seus crânio, arremessando-a para o lado, um pedaço de crânio bateu contra o vidro da janela, ricocheteou contra a parede e caiu dentro da pia. – Viu só senhorita! Ponto para mim! Acertei a minha jogada! Quem é o melhor agora?
. . .

Tempo atual...
E assim, pessoa após pessoa, eu fui mostrando para aquelas formiguinhas como um escritor em fúria pode ser superior a eles. Ah! Sim! Eu escrevia melhor do que eles, eu vivia melhor do que eles e quem diria, ninguém naquela festa jogava golfe como eu! Quantas cabeças voaram como pequenas e lindas bolinhas brancas! Foi uma noite emocionante, exceto pela perda de minhas preciosidades literárias.
Eles pensaram que nós escritores vivemos apenas em nossas imaginações, afogando-se em letras e frases. Dizem que perdemos nosso tempo, que ficaremos loucos de tanto ler e escrever. Afirmam que isso não é aproveitar a vida, o que sabem eles sobre isso? Nós, escritores, ao menos deixaremos alguma contribuição útil para as futuras gerações, tentamos fazer algo para melhorar a cultura pútrida de nossa sociedade e ninguém joga golfe com crânios tão bem quanto nós! Ah! Sim! Isso não há como discordar!
Aqueles cordeirinhos, mal sabem o lobo que há cá dentro. Agora veja, todos esses corpos estendidos em meu quintal com seus crânios estourados, bastou uma leve batida de marreta para espalhar massa encefálica por todos os lados. Eles destruíram uma parte significativa da minha vida, a transformaram em cinzas, só me resta agora queimar esses corpos, destruí-los como eles destruíram meus livros. Eles irritaram um escritor e isso é algo que ninguém deve fazer. Ou poderá sofrer as devidas consequências.


domingo, 25 de agosto de 2013

A salsicha, o milho e a morte

"A salsicha, o milho e a morte" é um conto integrante do livro Necrophagya, de Marius Arthorius. Disponível em: http://clubedeautores.com.br/book/32051--NECROPHAGYA




Acordou com uma tremenda dor de cabeça, um gosto horrendo em sua boca, um pedaço de casca de milho ainda presa entre os dentes, havia dormido no chão da cozinha e nem mesmo se lembrava desse acontecimento. Sentou-se no chão, estava nu, tal como veio ao mundo. Porém sua pele estava suja, coberta com uma estranha e fétida substância marrom, algumas partes com um líquido vermelho. Um longo verme esbranquiçado nadava para sobreviver em meio àquelas duas substâncias. Levantou-se, no fraco reflexo que se formava no vidro da janela da cozinha, conseguiu ver que sua boca estava toda suja com aquela substância marrom. E vomitou, pois começava a se lembrar de tudo. Vomitou no chão da cozinha e logo caiu sobre os próprios joelhos. Enquanto seu esôfago era queimado pelo ácido estomacal diluído que lhe escapava pela boca e lágrimas lhe vertiam dos olhos com o ardor.

. . .

Na noite anterior tudo estava tranquilo. Ele tinha convidado ela para jantar em sua casa, apenas um cachorro-quente, molho vermelho com bastante cebola e milho para acompanhar. Preparam juntos a refeição, o lindo casal de pombinhos que preparavam juntos seu alimento. Sentaram-se a mesa e começaram a comer. Discutiram Nietzsche, Popper, Sagan e Schopenhauer. Mas todo alimento chega ao seu fim.
Havia ainda na panela apenas uma salsicha e uma porção de grãos de milhos imersos no molho acebolado. Ambas as duas pessoas presentes na cozinha ainda estavam tomadas de fome e os dois tentaram se apossar da última salsicha ao mesmo tempo. Quando possuído de fome todo humano passa a ser dominado pelo egoísmo adormecido de nosso caráter.
Ele e ela se entreolharam. Não era amor que havia em seus olhos, e sim, o mais puro sentimento humano, o sentimento que pulsa constantemente nas profundezas neurais de nossos pútridos encéfalos. Era o egoísmo que brilhava e reluzia em seus olhos, querendo se tornar livre e dominar aqueles corpos, extinguindo qualquer resquício de moralidade que pudesse existir na mente daqueles macacos pelados. Pois bem sabemos que toda pessoa não passa de um símio com poucos pelos.
Cada um fisgou a salsicha com seu garfo, e puxou para seu próprio lado. Despedaçaram o estranho pedaço de carne rosada. Novamente se encararam. Urraram uma para o outro como dois animais famélicos.
- Sou mulher – disse ela - Seja um bom cavalheiro e me deixe ficar com a última salsicha.
Houve mais um momento de tensão entre os dois, tempo para que a razão dominasse o egoísmo, ou, tempo para que o egoísmo planejasse alguma de suas artimanhas. Tomado pelo feminismo radical que por vezes não prega a igualdade entre os sexos e sim a dominação feminina sobre os homens, ele acabou por entregar a última e tão preciosa salsicha para a sua companheira.
Ela pegou um pedaço de pão, colocou a salsicha arrebentada sobre ele, despejou o resto de molho com cebola e milho. Devorou o cachorro-quente de forma violenta, fazendo molho vermelho sujar sua camiseta. Incitava a delícia da alimentação para deixar ele com mais vontade de possuir a valiosa salsicha. Ela terminou de comer.
Após comer lambeu seus dedos e soltou um grotesco arroto.
Mas o cavalheirismo dele não demorou a ser tomado pelo egoísmo humano, ele queria voltar atrás, queria mudar sua escolha. Queria mudar o passado e usufruir seu livre-arbítrio. Ele tinha liberdade de escolha e faria uso dela, mesmo que as consequências estivessem num ponto fora do alcance legislativo e além da compreensão das mentes comuns.
Ele levantou-se e foi até a gaveta da pia, pegou uma faca. Voltou-se para ela, que estava sentada de costas para ele. Andou até ela, pegou-a pelo pescoço. Obrigou-a a deitar-se sobre a mesa.
- Chegou a hora querida! Direitos iguais para todos, esqueceu-se do que as feministas proclamaram? A salsicha não pertence apenas a você! Ela é minha também e aqueles milhos, espero que eles ainda estejam inteiros em seus intestinos. Agora é hora de fazer a partilha do pão, nesta Santa Ceia que partilhamos. – ela começava a sufocar com a pressão da mão dele em sua garganta.
Cravou a faca na barriga da mulher, logo abaixo do osso esterno e direcionou o corte até o umbigo dela. Ela desmaiou com a dor e não veria a própria morte, pobre moça, perdeu a felicidade de ver a própria morte, o momento mais caloroso, único e especial de nossas vidas mundanas! O momento em que deixamos de ter qualquer preocupação. Abriu o abdômen dela em duas metades, dois bifes suculentos que pendiam para cada lado do corpo feminino, revelando toda a beleza interior que havia nela.
E lá estava! O estômago e os intestinos! Ele puxou para fora aqueles órgãos quentes recheados de farto alimento. Com fortes dentadas rasgou aqueles tecidos, chacoalhou pelos ares o conteúdo deles até que encontrou. Ainda estavam ali, os pedaços mastigados de salsicha e os grãos de milho. Pegou seu alimento e ingeriu-os. Sujando-se com toda imundície humana. Saciando seu egoísmo e proclamando seu livre arbítrio.